Código de Ur-Nammu: origem, conteúdo e legado jurídico
Descubra como o Código de Ur-Nammu estabeleceu as bases do direito na Mesopotâmia, suas leis originais e seu legado jurídico duradouro.

Ao longo da história, poucos documentos deixaram marcas tão profundas no desenvolvimento do direito quanto o código de Ur-Nammu. Criado por volta de 2100 a.C., durante o reinado de Ur-Nammu na cidade de Ur, no sul da Mesopotâmia, este conjunto de leis é considerado o mais antigo código jurídico que chegou até nós. Suas tábuas de argila moldadas em cuneiforme revelam normas que regulavam a conduta social, econômica e penal em uma das civilizações mais influentes do Oriente Médio.
Para quem pesquisa a evolução do direito antigo e a estrutura social suméria, existem livros sobre a história suméria que aprofundam o contexto cultural e político do período. Além disso, a compreensão das técnicas de escrita cuneiforme e dos processos de escavação em sítios arqueológicos é fundamental para interpretar adequadamente as inscrições do código.
Origem e descoberta do Código de Ur-Nammu
Contexto histórico da Suméria no terceiro milênio a.C.
No terceiro milênio a.C., a Suméria se destacava como um conjunto de cidades-estado prósperas à margem dos rios Tigre e Eufrates. Ur, Uruk, Eridu e outras cidades eram centros de inovação agrícola, comercial e religiosa. Foi nesse cenário que Ur-Nammu, fundador da Terceira Dinastia de Ur, idealizou um código legal para padronizar punições e compensações, fortalecendo seu poder político e promovendo a justiça entre nobres, plebeus e libertos.
A padronização das normas jurídicas demonstrava a complexidade da sociedade suméria: questões de propriedade, dívidas, casamento e até o comportamento dos escravos eram reguladas. Esse esforço de codificação indica uma administração centralizada e um corpo de escribas qualificados, capazes de produzir documentos oficiais que circulavam em diferentes camadas sociais.
A redescoberta moderna e as tábuas de Nippur
Somente no século XX, arqueólogos em escavações em Nippur, antiga Cipari, encontraram fragmentos das tábuas do código. Publicadas a partir de 1952, essas tábuas de argila em cuneiforme cuneiforme fornecem a base para a reconstrução do texto legal. O estado fragmentário dos exemplares apresenta desafios de tradução e de restauração, exigindo estudo comparativo com outros documentos da região.
Hoje, várias universidades mantêm réplicas digitais e físicas dessas tábuas, permitindo análises mais seguras e multiperspectivas. O uso de tecnologia de imagem 3D e multispectral tem revelado detalhes adicionais de inscrições apagadas, ampliando o entendimento de termos técnicos e de procedimentos judiciais antigos.
Estrutura e conteúdo do código
Princípios gerais e organização dos preceitos
O código é estruturado em proêmio e leis numeradas. O prólogo exalta a justiça e a benevolência do rei Ur-Nammu, apresentando-o como instrumento de Marduk, deus patrono de Ur. Em seguida, vêm as leis que tratam de crimes e contravenções, organizadas por temas: danos físicos, disputas de propriedade, penalidades para infrações familiares e comerciais.
Cada artigo vincula explicitamente a pena à ofensa e às condições sociais do ofensor e da vítima. Em muitos casos, o pagamento de uma quantia em prata ou cevada substituía a mutilação, marcando uma evolução em relação a punições corporais anteriores. Esse sistema de multas revela a importância da economia de troca na Mesopotâmia e a necessidade de manter a harmonia social por meio de reparações financeiras.
Punições e compensações econômicas
As sanções aplicadas pelo código variavam conforme a gravidade do crime e o status social dos envolvidos. Lesões leves podiam gerar compensações moderadas em forma de prata, enquanto homicídios e violência grave resultavam em valores mais altos ou mesmo em escravidão por dívida. A distinção entre crimes contra nobres e plebeus aponta para uma sociedade estratificada, mas não impedia a aplicação de multas como principal meio de punição.
Esse modelo contrasta com a posterior rigidez do código de Hamurabi, onde a lei de talião (olho por olho) ganha maior ênfase. O código de Ur-Nammu mostra um estágio anterior de desenvolvimento jurídico, mais flexível e adaptável à realidade econômica da época.
Exemplos de leis específicas
Entre as leis mais notáveis, destacam-se:
- Artigo 4: Se um homem infringir o braço de outro, pagará 60 siclos de prata.
- Artigo 6: Se um escravo atacar um livre, deverá pagar metade de seu valor ou servir até a dívida ser quitada.
- Artigo 10: Regulamenta disputas sobre terras irrigadas, definindo limites de propriedade e multas para transgressões.
- Artigo 12: Define compensação por danos causados a animais de criação, refletindo a economia agropecuária dominante.
Esses dispositivos revelam a atenção do legislador às necessidades cotidianas e às relações econômicas rurais e urbanas.
Comparação com outros códigos mesopotâmicos
Diferenças em relação ao código de Hamurabi
Embora o código de Hamurabi, datado de cerca de 1750 a.C., seja mais famoso, o de Ur-Nammu o precede em quase quatro séculos. O código de Hamurabi apresenta punições severas baseadas na retribuição e na hierarquia social, com a lei de talião em evidência. Em comparação, o código de Ur-Nammu é mais focado em multas e compensações financeiras, indicando uma abordagem mais conciliatória.
Além disso, o texto de Ur-Nammu abrange menos tópicos — cerca de 30 leis conhecidas — enquanto Hamurabi codificou mais de 280 artigos, incluindo comércio interestadual, família, escravidão e contratos profissionais.
Legislações anteriores e posteriores
Antes de Ur-Nammu, existiam leis orais ou fragmentos escritos em tabuinhas dispersas. Posteriormente, outros reis sumérios, como Lipit-Ishtar, promoveram novos códigos, sempre com base no modelo de Ur. Já os babilônios e assírios herdaram essa tradição, incorporando e ampliando as normas para atender impérios de alcance maior.
O estudo comparativo entre esses documentos permite mapear a evolução do direito na Mesopotâmia e a transição de um sistema comunitário para estruturas estatais mais complexas.
Importância e legado jurídico
Influência em códigos posteriores
O modelo de codificação de Ur-Nammu inspirou leis em cidades vizinhas e, ao longo dos séculos, serviu como referência indireta para sistemas legais regionais. Mesmo depois da queda da Terceira Dinastia de Ur, os escribas mantiveram fragmentos de seu código como base para decisões judiciais e registros oficiais.
Na Antiguidade Tardia, muitos princípios de reparação financeira e distinção de status social permaneceram vigentes no Oriente Médio, ainda que sob novas formas culturais e religiosas.
Contribuição para a história do direito
Para historiadores do direito, o código de Ur-Nammu representa o ponto de partida de toda legislação escrita. Ele demonstra a transição de normas consuetudinárias para regras estatais transparentes e registradas, essencial para o surgimento de sociedades complexas e a administração centralizada do poder.
O estudo desse código também contribui para debates atuais sobre justiça restaurativa e modelos alternativos de punição, mostrando que multas e compensações eram eficazes para manter a ordem social em sociedades antigas.
Interpretação moderna e estudos acadêmicos
Desafios de tradução e reconstrução
As tábuas fragmentadas e a evolução do idioma sumério representam desafios para tradutores e assiriólogos. Diferenças dialetais, termos técnicos perdidos e lacunas no texto exigem reconstruções cuidadosas, muitas vezes dependentes de contextos arqueológicos e comparações com inscrições coetâneas.
Avanços em imagens de alta resolução e em softwares de reconhecimento de cuneiforme têm acelerado a decifração de inscrições apagadas, permitindo correções em versões anteriores do texto.
O papel das Escolas de escribas na Mesopotâmia
Parte do conhecimento do código de Ur-Nammu sobrevive graças às Escolas de escribas na Mesopotâmia Antiga, centros de formação que ensinavam leitura, escrita e matemática. Esses locais eram fundamentais para a manutenção, cópia e interpretação de documentos, e formavam profissionais capazes de aplicar as leis em tribunais locais.
O método de ensino baseado em cópias de tábuas modelos permitia a preservação de tradições legais e a uniformização das normas entre diferentes cidades-estado.
Conclusão
O código de Ur-Nammu permanece como um marco na história do direito, representando a primeira tentativa sistemática de registrar normas jurídicas. Seu enfoque em multas e compensações financeiras aponta para uma visão restaurativa de justiça, muito antes da popularização da lei de talião. A redescoberta das tábuas em Nippur, aliada a tecnologias modernas de análise, segue revelando detalhes importantes para historiadores e juristas.
Quem deseja explorar mais sobre as origens do direito e a civilização suméria pode conferir livros sobre leis mesopotâmicas que aprofundam essa rica herança jurídico-social.