Sesmarias no Brasil Colonial: distribuição de terras e legado

Entenda como funcionava o sistema de sesmarias no Brasil colonial, sua regulamentação, impacto social e legado na formação territorial brasileira.

O sistema de sesmarias no Brasil colonial foi o mecanismo oficial de distribuição de terras adotado pela Coroa Portuguesa para incentivar a ocupação e o cultivo do território. Inserido no contexto da expansão ultramarina, esse modelo definiu as bases da estrutura agrária no país, influenciando diretamente a formação de fazendas e o uso da mão de obra. Uma das referências para entender essa dinâmica está em obras dedicadas à história do Brasil colonial.

Nesta análise detalhada, apresentamos a origem, regulamentação, funcionamento, impacto social e legado das sesmarias, oferecendo uma visão aprofundada para pesquisadores e entusiastas da história agrária.

O que eram as sesmarias?

As sesmarias eram lotes de terra concedidos pela Coroa Portuguesa a particulares, denominados sesmeiros, com a condição de que fossem cultivados e mantidos produtivos. O sistema surgiu em Portugal no século XII e, a partir do século XVI, foi implementado em todas as possessões ultramarinas do Império. No Brasil colonial, as sesmarias tinham objetivo duplo: estimular a ocupação das áreas litorâneas e promover a produção de bens exportáveis, sobretudo cana-de-açúcar e, mais tarde, gado.

Cada sesmeiro recebia um alvará de concessão que detalhava limites territoriais, prazos para ocupação e metas mínimas de cultivo. As terras não utilizadas dentro de um período estipulado retornavam à Coroa, que podia redistribuí-las a outros interessados. Esse modelo buscava evitar o abandono e a especulação, garantindo que os novos territórios contribuíssem para a economia colonial.

O sistema de sesmarias também funcionava como mecanismo de controle político, pois aproximava a população europeia das indígenas e dos engenhos de açúcar, favorecendo a defesa da costa e a organização social local. Hoje, ao estudar este tema, compreendemos como se iniciou a formação do latifúndio e as bases para a estrutura fundiária que permaneceria até o século XX.

Origem e regulamentação do sistema de sesmarias

Legislação portuguesa

Em Portugal, o sistema de sesmarias foi oficialmente regulamentado em 1287 pelo rei D. Dinis. Na legislação portuguesa, as terras devolutas — isto é, sem dono — podiam ser cedidas a quem se dispusesse a cultivá-las. No século XVI, com a expansão ultramarina, encontraram aplicação nas colônias através de documentos como as Ordenações Manuelinas e as Ordenações Filipinas.

As normas estabeleciam critérios para concessão, como requisitos mínimos de plantio, residir na propriedade e evitar a especulação. Além disso, definiam prazos de até três anos para início das atividades agrícolas, sob pena de perda do título. Esse arcabouço jurídico foi adaptado ao Brasil, levando em conta a extensão territorial e a importância estratégica da produção de açúcar e do gado.

Implantação no Brasil

As primeiras sesmarias foram concedidas já na década de 1530, sob a administração dos donatários do sistema de capitanias hereditárias. A Carta de Sesmarias, editada em 1534, orientava os donatários a distribuir lotes para colonos que garantissem a ocupação efetiva. Assim, muitas capitanias se destacaram pela rápida implantação de engenhos de açúcar e estabelecimentos pecuários.

Ao longo do século XVII, as concessões ampliaram-se para áreas de mineração e para o interior do território, acompanhando o avanço bandeirante. Esse deslocamento gerou novas disputas por limites e redefiniu o padrão de uso da terra, inaugurando a interiorização da economia colonial.

Como funcionava na prática

Processo de solicitação e documentação

Para obter uma sesmaria, o interessado apresentava um requerimento à Câmara Municipal ou diretamente ao donatário, indicando a extensão desejada e a finalidade do cultivo. Era necessário anexar testemunhos de moradores e, em muitos casos, apresentar prova de capital mínimo para iniciar a produção.

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Uma vez deferido, o sesmeiro recebia o alvará de sesmaria, documento que descrevia as fronteiras, o valor em cruzados e as condições de exploração. Também havia o marco de pedra ou palmo de madeira colocado nos limites, cuja violação configurava crime de violação de posse.

Obrigações do sesmeiro

Entre as obrigações, destacavam-se:

  • Manter pelo menos 20% da área ocupada e cultivada, sob pena de devolução.
  • Construir moradia e cercas, garantindo segurança contra invasões indígenas ou penetração de outros colonos.
  • Pagar uma taxa anual simbólica à Coroa.

A fiscalização era feita por comissários reais ou representantes do donatário, que podiam anular concessões em caso de descumprimento. Esse rigor visava evitar terra ociosa e especulação imobiliária, assegurando a viabilização da economia colonial.

Impacto social e econômico das sesmarias

Formação de grandes fazendas

O sistema de sesmarias deu origem ao latifúndio, com grandes extensões destinadas à cana-de-açúcar e ao cultivo de gêneros tropicais. Os engenhos de açúcar, muitos deles mantidos por engenhos de açúcar no Brasil Colonial, concentravam capital e mão de obra, configurando uma elite agrária que dominaria a cena colonial.

Esse modelo limitava a pequena propriedade e colocava barreiras ao acesso de colonos europeus sem recursos, consolidando a desigualdade fundiária ainda hoje presente no país.

Trabalho escravo e indígena

Para viabilizar o cultivo em larga escala, os sesmeiros recorreram ao trabalho escravo africano e, em menor escala, à coação de indígenas. As sesmarias nas áreas litorâneas tornaram-se polos de atração de traficantes de escravos e de missões religiosas que tentavam converter populações nativas.

Essa combinação entre concessão de terra e coerção laboral moldou a sociedade colonial, gerando tensões e estabelecendo padrões que repercutiriam na estrutura social brasileira por séculos.

Comparação com outros sistemas de concessão de terras coloniais

Em outras possessões europeias, como a Inglaterra na América do Norte, existiam sistemas de concessão semelhantes, mas com diferenças significativas. Nas colônias inglesas, por exemplo, o headright system oferecia terras a quem transportasse colonos, enquanto o sistema de carterias francesas previa concessões hereditárias com prazos mais curtos.

No Brasil, o modelo de sesmarias foi marcado pelo rigor no cumprimento de metas de ocupação e cultivo, refletindo a prioridade da Coroa Portuguesa em extrair riquezas imediatas, principalmente o açúcar e o gado. Essa distinção evidencia a diversidade de estratégias coloniais na gestão territorial.

Legado das sesmarias na divisão territorial brasileira

O legado das sesmarias permanece vivo na toponímia, nos limites de fazendas centenárias e na estrutura agrária do país. Muitas propriedades rurais mantêm as demarcações originais, e a distribuição inicial influenciou a construção de estradas e cidades.

Registros de sesmarias também são fonte importante para pesquisadores em genealogia e história regional, permitindo rastrear famílias coloniais e analisar a evolução das fronteiras municipais.

Além disso, o sistema de sesmarias serviu de base para legislações posteriores, como o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) no século XX, ainda que com objetivos diferentes.

Conclusão

O sistema de sesmarias no Brasil colonial foi mais do que um instrumento de distribuição de terras; foi um modelo de governo territorial que moldou a economia, a sociedade e os padrões fundiários do país. A compreensão desse processo é fundamental para avaliar as raízes da desigualdade agrária brasileira e os desafios contemporâneos de reforma fundiária.

Para aprofundar o estudo, confira obras sobre agricultura no Brasil colonial e explore as conexões entre as sesmarias e as transformações regionais ao longo dos séculos.


Arthur Valente
Arthur Valente
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